Todos temos histórias para contar acerca da nossa própria vida, do que nos aconteceu, como aconteceu, que impacto teve em nós, o quanto nos mudou, o que sofremos, o quanto nos enriqueceram. Somos um aglomerado de histórias que narram a nossa vida, a forma como nos vemos, como vemos os outros. A construção final das memórias que constituem essas histórias, sofrem grande influência da forma como narrámos os acontecimentos. Como os enquadrámos, que palavras utilizámos, que conceitos e crenças instituímos, e que padrão mental se foi edificando.
A forma como narramos a nossa própria história influencia positivamente ou negativamente o nosso poder pessoal. Saber escolher as palavras que usamos na construção narrativa da nossa história é uma condição importantíssima na edificação do poder pessoal.
Exemplo: “Eu sou um fracasso total. Eu não posso acreditar que cometi este erro, isso custou-me meses de tempo e esforço. Eu talvez nunca consiga recuperar. Que idiota fui que não consegui perceber o que estava vindo.”
Este tipo de autonarrativa pode tomar proporções catastróficas. A pessoa fica à mercê da sua angústia, sofrendo claramente pela interpretação que faz, usando um discurso depreciativo e negativista.
Autonarrativa destrutiva
Em consulta deparo-me com pessoas que claramente estão em sofrimento e procuram resolver o seu problema. Mas, maioritariamente focam-se em como o problema as fez sentirem-se falhadas, diferentes, piores que os outros, incapazes, miserabilistas. O problema maior não está no próprio problema, mas sim na forma como personalizam negativamente o problema, narrando a história do acontecimento de forma tremendamente autodepreciativa.
Falar com você mesmo acerca do quão inútil você é, não é útil. Sim, você pode estar a sofrer uma perda, uma dor infligida por outrem, mas há um custo enorme ao contar a sua história de forma limitante. Você deita fora o seu maior poder. Quando você define o seu “eu”, como sendo “um fraco” perde a sua capacidade para efetuar uma mudança positiva.
Às vezes é mais importante saber como o seu próprio crescimento funciona, do que saber como aprender coisas específicas para melhorar. Você não pode mudar nada, a menos que primeiro você acredite na sua capacidade de conduzir a mudança. Isso é o que permite que você comece a envolver-se com ideias construtivas, resolver problemas, mobilizar os outros, e concentrar a sua energia na solução do problema.
Por outras palavras, para você conseguir um impacto positivo, importa pensar em si mesmo como “eu tenho valor e consigo reerguer-me”, e não como “sou um incapacitado e vou permanecer no estado que me encontro.”
Aprofundei o assunto no artigo: A consciencialização é o primeiro passo para a mudança
A maioria de nós falamos para nós mesmos de maneiras que nunca falaríamos com ninguém. Mais do que recomendado, muitas das vezes podemos tender a ser cruéis connosco quando sofremos um fracasso. Se você espera “acertar” todas as vezes quando algo não acontece como esperando, a tendência pode ser culpabilizar-se pelo fracasso. Tende a acreditar que deveria ter previsto o mau resultado e precavido a situação.
Na base dessa culpabilização destrutiva pode estar a crença de que você deveria ser capaz de controlar tudo, de antecipar os erros, fracassos e decepções. Mas, deixe-me dizer-lhe, essa é uma crença irrealista. Ninguém não falha, ninguém não erra. Todos somos suscetíveis ao erro.
Se nos rotularmos de forma depreciativa, certamente a narração do eu não será benéfica. Passamos a usar um discurso para nós mesmos como se fossemos o nosso pior inimigo a falar-nos constantemente ao ouvido. Imagina o poder destrutivo que isso pode ter? Quer isso para você? Acredito que não.
Poder pessoal = poder narrativo
As causas de você ter desenvolvido uma narrativa interna de autoavaliação destrutiva acerca das suas ações e desempenhos, podem ser muitas ou múltiplas. Pode ter tido uns pais demasiado rígidos e críticos, pode ter instituído padrões de perfeccionismo, pode ter desenvolvido um sentimento de inferioridade.
Independentemente do que possa estar na origem, o que importa agora perceber é o quanto o seu poder narrativo pode estar a destrui-lo. Para ajudá-lo nesse processo, leia: 7 Maneiras de identificar o seu diálogo autocrítico.
Depois dessa análise, torna-se premente ficar ciente que se mudar o autodiscurso que tem vindo a ter e orientá-lo para formas mais construtivas e positivas, você ficará na posse de um enorme poder pessoal para conduzir a sua vida: O poder narrativo.
Transforme-se no criador da sua história e da sua vida. Converse com você como um amigo, e não como um inimigo. E lembre-se, você não pode mudar nada, a menos que primeiro olhe para si mesmo como sendo suficientemente poderoso para agir deliberadamente.
A maneira como falamos de nós mesmos concede-nos o poder, o poder narrativo, do que acontece em seguida.
Recomendo que leia: Cuidado com as suas palavras, 8 formas de otimizar o seu diálogo interno.
A MINHA VOZ
Aquela voz,
Que me domina e me persegue,
Me oprime e me penaliza,
Me aprisiona as ideias, os desejos e a audácia,
Lá vem ela, chega surrateiramente, e quando se manifesta torna-se ensurdecedora,
Aquela voz que me inflaciona a responsabilidade,
Que me exige a perfeição,
Que me estigmatiza a alegria,
Que me faz sentir culpado na derrota e no erro,
Aquela voz, que representa todas as vozes autoritárias,
Que representa um pai castrador,
Que manifesta a frustração de uma geração,
Que desumaniza,
Que repudia a criatividade,
Aquela voz que foi sendo implantada na minha mente,
Aquela voz que eu julgo ilusoriamente ser a minha própria voz,
Aquela voz, que representa todas as vozes negativas, castradoras, maledicentes,
Aquela voz que eu descobri dentro de mim, não mais tomará o controle da minha vida,
Jamais aquela voz se enraizará na minha alma consumindo tudo o que tenho de bom,
Jamais permitirei que perpetue e se materialize na minha desgraça,
Aquela voz, já não é mais a minha voz,
Aquela voz, tinha a voz que eu a deixava ter,
Aquela voz foi vencida pela minha voz,
A minha voz superou aquela voz,
Libertei-me daquela voz,
Hoje sou a minha própria voz,
Consciente, ouço-a,
Que bela a minha voz,
Que palavras positivas se fazem ouvir,
Palavras livres, assertivas, carinhosas, carregadas de sonhos, vontades, compaixão e vontade de gritar bem alto:
Eu sou a minha voz que se faz ouvir em mim. – Miguel Lucas
Abraço,
Miguel Lucas