A autocrítica está fortemente associada a um sentimento primordial de não ser “suficientemente bom”, gerando sentimentos de inferioridade, indignidade, fracasso e culpa. Podem ser julgamentos das suas habilidades, inteligência, aparência física e até mesmo dos seus pensamentos ou sentimentos.
Vejamos apenas alguns exemplos de diálogo interno expressos por indivíduos atormentados devido ao hábito de serem autocríticos:
- Eu sou tão estúpido!
- Eu sou um fracasso.
- Eu sou tão feio.
- Eu sou tão fraco.
- Eu não consigo fazer nada certo!
A autocrítica e os sentimentos associados podem ser desencadeados por um acontecimento específico e consequente reação, que leva a uma enxurrada de reflexões desse tipo. Por exemplo, quando confrontados com a frustração sobre a montagem de mobília por módulos, um indivíduo propenso à autocrítica pode concluir rapidamente: “Sou tão burro” ou “não sou capaz fazer coisas de homem”. Da mesma forma, uma pessoa pode observar a expressão facial de outra pessoa em uma reunião e rapidamente tornar-se oprimida por se sentir indesejável.
Como nasce o hábito da autocrítica?
A predisposição para a autocrítica na grande maioria das vezes tem a sua origem nos nossos primeiros relacionamentos. Os pais podem ter expectativas extremamente altas. Podemos ter um irmão que se destaque academicamente, no desporto ou em alguma outra área, recebendo sempre mais atenção e elogios pela sua realização superior. Professores rigidamente exigentes ou treinadores punitivos também podem contribuir para essa predisposição.
A nossa religião ou cultura também pode incutir altas exigências em nós mesmos, fazendo aumentar o nosso senso de não ser bom o suficiente. As amizades também podem alimentar esse tipo de crítica interior. Por exemplo, podemos ter experiências na nossa adolescência, incluindo relacionamentos com amigos ou com uma namorada ou namorado, o que prejudica ainda mais o nosso senso de identidade.
Essas experiências anteriores podem contribuir para um perfeccionismo elevado, motivado a evitar a vergonha aos olhos dos outros e de si mesmo. Além disso, podem ainda contribuir para se sentirem imperfeitos, não amáveis e indesejáveis quando buscarem conexão com os outros. Como uma música cativante que se insinua na nossa mente, essas experiências podem contribuir para uma voz interna que ecoa as vozes daqueles que fomos ouvindo durante os nossos anos de formação. Consequentemente, a voz dos outros significativos pode tornar-se o diálogo interno autocrítico para explicar a si mesmo porque algo deu errado.
Autorreflexão, autoavaliação e autocrítica
A capacidade de autorreflexão é uma qualidade fundamental do ser humano. Essa reflexão pode ser útil quando envolve uma avaliação objetiva de nós mesmos, o nosso pensamento, sentimento e comportamento. A autorreflexão ajuda a ligarmo-nos a nós próprios e, ao fazê-lo, pode ajudar-nos a perceber padrões negativos na nossa vida, apoiar a nossa motivação para atingir um objetivo, olhar para o quadro geral das nossas vidas, promover emoções positivas, identificar valores e apoiar a tomada de decisões.
A autoavaliação construtiva oferece-nos informações sobre o que deu errado e o que poderíamos fazer de forma diferente na próxima vez. Permite concentramo-nos na tarefa com uma atenção objetiva aos detalhes da tarefa e de nossas ações. Por exemplo, você pode observar que o som que você fez na sua guitarra não foi o acorde que você esperava tocar. A autoavaliação envolve a revisão do que deu errado, o posicionamento apropriado do dedo e tentativas adicionais de reproduzir o som corretamente.
Em contraste, a autocrítica envolve uma reflexão automática que é degradante, desvalorizadora e destrutiva. Referindo-se ao exemplo acima, você pode, em vez disso, responder ao seu erro com uma lista de itens sobre a sua capacidade em geral ou sobre você como pessoa. Consequentemente, você pode parar de tocar a guitarra completamente. E se o fizer, estará evitando não apenas a possibilidade de erros futuros, mas também o desconforto emocional e físico associado à sua própria crítica. A autocrítica afasta-nos da autorreflexão construtiva e da avaliação e pode estimular a ruminação que estimula a depressão e a ansiedade.
A autocrítica direciona nossa atenção para dentro e inibe a nossa capacidade de estar totalmente presente e assertivamente engajados nas nossas vidas. Novamente, referindo-se ao exemplo, você pode ficar tão preocupado com sua autocrítica que invariavelmente comete mais erros ao formar esse acorde musical.
Enquanto a autoavaliação leva-nos adiante na vida, a autocrítica leva-nos a recuar ou mesmo a isolarmo-nos.
A psicofisiologia da autocrítica
Pesquisas descobriram que as áreas do cérebro que respondem à ameaça externa são ativadas pela autocrítica. E assim como o cérebro se desenvolveu no contexto de um relacionamento com os outros, o relacionamento que temos com nós mesmos também tem o potencial de nos colocar em um estado de ameaça. A autocrítica negativa e a raiva associada a ela podem levar-nos muito a experimentar a reação de “luta-fuga-congelamento” que podemos experimentar em resposta a uma ameaça externa.
Isso envolve um surto de cortisol, a hormona associado à resposta “luta-fuga-congelamento”. Da mesma forma aumenta o fluxo do norepinefrina, um neurotransmissor que aumenta a frequência cardíaca, pressão arterial e fluxo de sangue para os músculos esqueléticos. Anos de pesquisa sobre raiva e estresse enfatizam que os sintomas físicos e emocionais surgem quando esses estados são despertados com muita frequência. Tal é o caso da autocrítica que é especialmente associada à raiva. Pode promover depressão e ansiedade, bem como exacerbar muitos dos sintomas físicos que são sensíveis ao estresse.
Para aprofundar o assunto, leia: Saiba porque a autocrítica faz com que fique mais ansioso e estressado
O antídoto
Podemos superar a raiva destrutiva quando aprendemos novos hábitos (desenvolvemos a resiliência para lidar com os desafios da vida e nossas reações automáticas a todas essas situações). Isso é muito relevante para superar a tendência destrutiva da autocrítica. Mais importante ainda, essa resiliência inclui o desenvolvimento de habilidades emocionais, aprendendo maneiras de acalmar a nós mesmos e as nossas emoções. Ela exige uma autorreflexão sobre como as críticas que fazemos informam a nossa motivação e o nosso senso de pertença, de maneiras que podem ser autorrealizáveis.
A superação da autocrítica negativa também se baseia no desenvolvimento de uma relação mais realista e aceitação de nós mesmos. Ele pede para lembrar todas as nossas competências, bem como as conexões que temos com os outros. Além disso, enfatiza a comparação entre nós mesmos e não com os outros. E isso requer atenção para não nos espancarmos com uma visão retrospectiva que não tivemos no passado.
Pesquisas na área da neurociência enfatizam o conceito de neuroplasticidade. Com base nesse conceito, é importante lembrar que, quando cultivamos uma autoavaliação saudável para substituir a autocrítica, aumentamos as conexões neuronais em nosso cérebro para nos envolvermos em uma autoavaliação saudável. Com efeito, os nossos neurónios formam novas conexões com outros neurónios, criando e fortalecendo novos padrões em nosso cérebro, criando novos hábitos no nosso pensamento, sentimento e comportamento.
Caso você tenha vindo a debater-se com uma autocrítica destrutiva, aconselho que leia o meu artigo: capacite-se e desafie o seu diálogo autocrítico
Há muitos recursos disponíveis na forma de livros, vídeos e sites dedicados a apoiar uma autocrítica saudável versus destrutiva. No entanto, envolver-se no trabalho essencial para superar a autocrítica também pode exigir aconselhamento ou psicoterapia.
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Contrapor a nossa crítica interior pode ser um enorme desafio. Especialmente quando mantemos a crença de que a crítica interna é essencial para motivar as nossas conquistas e realizações. Além disso, como relatado por alguns dos meus clientes, combater a autocrítica pode ser experimentado como uma traição às pessoas significativas que contribuíram para esse diálogo interno autocrítico.
Mais importante a lembrar é o fato de que, com paciência, prática e comprometimento, podemos fortalecer a nossa capacidade de autoavaliação construtiva e reduzir a presença e a influência da voz interna autocrítica.
Abraço,
Miguel Lucas
Olá, Miguel Lucas, tudo bem?
Realmente você tem razão. Tenho conseguido grandes progressos nesse sentido.
Abraço,
David
Obrigada, novamente! Seus artigos são excelentes, profundos e amplos. Estão me ajudando muito! Parabéns pelo belíssimo trabalho
Olá Miguel lucas já já alguns anos que sofro ,com pensamentos absurdos mas que me impedem de viver livremente ,depois de muito investigar penso que o que tenho se assemelha ao toc ,comecei agora a tomar medicação psiquiátrica e ainda é muito cedo para ver resultados,mas gostava mesmo era mesmo era de conseguir lidar com eles ,obrigada pelo cantinho para o desabafo !fique bem.
Olá Carla, fico esperançado que consiga melhorar.
Sugiro que paralelamente à medicação, procure ajuda de um psicólogo para aprender a lidar com esse tipo de pensamentos.
Abraço,