Olhe a Depressão como ela é: Mitos sobre a Depressão
Terapias Psicológicas 22/09/2016

Olhe a Depressão como ela é: Mitos sobre a Depressão (Parte III)

Miguel Lucas Publicado por Miguel Lucas

Nesta terceira parte sobre o esclarecimento dos equívocos acerca da depressão, irei ilucidá-lo acerca de alguns mitos que prejudicam o entendimento da depressão, tal como ela é. Por ser um problema comum, a depressão é frequentemente abordada nos meios de comunicação social e igualmente em alguns blogs, sites, revistas e livros de auto-ajuda. A tendência dos meios de comunicação social é retirar o melhor partido dos slogans mais sonantes sobre os assuntos, e no caso da depressão, foi criado um conjunto de equívocos sobre o que é a depressão e o que não é. Criaram-se alguns mitos que estão rodeados de informação incorreta e prejudicial, criando uma ideia inadequada acerca da depressão, conduzindo as pessoas a seguirem estratégias que não funcionam.

MITO 1: A DEPRESSÃO É ANORMAL

O significado literal da palavra “anormal” pode ser interpretado como “fora do que é habitual”. Desta forma, para aplicar-se a palavra anormal é preciso que algo ocorra raramente. No entanto, sabe-se através da investigação clínica que aproximadamente 10% da população dos EUA (Estados Unidos da América) sofrem de algum tipo de depressão todos os anos (não será muito diferente em Portugal e Brasil). O mais surpreendente é que a taxa anual de transtornos mentais ou uma dependência de drogas e álcool é de 27% e a probabilidade de ocorrência na vida é de 50%. Isto quer dizer que durante o decorrer da vida, quase metade da população dos EUA irá desenvolver um problema de saúde emocional muito significativo. De facto, a grande maioria das pessoas ditas normais reportam curtos períodos de depressão.

É difícil argumentar que algo como a depressão é anormal, quando tantas pessoas experienciam este problema de humor alguma vez na vida. É o mesmo que chamar à constipação comum uma ocorrência anormal. Uma forma diferente de pensar acerca da depressão é que atualmente tem um papel central no desenvolvimento de uma vida saudável. É um sinal de que algo não está a funcionar bem na sua vida.

Se você conseguir pensar desta forma sobre a depressão (tal como já expliquei a mesma ideia acerca da tristeza), será muito mais fácil parar de culpar-se e focar-se em mudar as coisas que necessitam de ser mudadas e que podem ser mudadas. Se você conseguir aceitar o seu estado deprimido, e não lutar contra ele, colocar-se-á numa posição de facilitar a canalização da pouca energia que lhe resta para a construção de estratégias eficazes que lhe ajudam a saber lidar com a depressão e superá-la.

MITO 2: A DEPRESSÃO É UMA RESPOSTA INEVITÁVEL AO STRESS DA VIDA

Sabemos através da investigação que o stress da vida é um gatilho para a depressão, pelo menos metade do tempo. O que isto sugere é que a depressão está por vezes relacionada com acontecimentos de vida negativos. No entanto, esses acontecimentos negativos fazem parte da condição de estar-se vivo, e infelizmente quando somos apanhados pelo infortúnio, é natural sentirmo-nos mal. E isto não é prejudicial. É uma tentativa de superar os acontecimentos ou escapar dos sentimentos negativos que causam os problemas.

Por exemplo, quando alguém se isola ou ganha peso numa tentativa inconsciente de controlar o seu senso de vulnerabilidade na presença de outros. O padrão perigoso de escapar dos sentimentos negativos (através da ingestão excessiva de comida) e evitamento situacional (evitar contacto social) conduz a pessoa para a depressão por restrição sentimental e situacional.

O equívoco com este mito, que a depressão é uma resposta inevitável ao stress da vida, é comprovado com o facto de existirem muitas pessoas que experimentam stressores na sua vida, alguns devastadores, mas não virem a sofrer necessariamente de depressão. Sofrer ou não de depressão após um acontecimento de vida stressante, tem muito mais a ver com a forma como aprendemos a responder a esse tipo de problemas do que propriamente a algo que é inevitável perante um infortúnio.


MITO 3: A DEPRESSÃO TEM A VER COM A EXPERIÊNCIA EMOCIONAL

A depressão é muitas vezes interpretada como um estado ativo de sentimento de mal-estar. A depressão tem muito mais a ver com não sentir do que propriamente sobre sentir. Enquanto alguns dos sintomas chave da depressão são sentimentos de profunda tristeza, irritabilidade e vergonha, a depressão é igualmente uma experiência de desconexão e entorpecimento. As pessoas deprimidas queixam-se de sentimento de solidão na presença de muitas pessoas. Elas experienciam um estado de apatia e desinteresse nas atividades sociais, geralmente até ao ponto de evitarem tais situações. Estes aspetos da experiência da depressão sugerem que evitar os sentimentos talvez possa ajudar a pessoa. Puro engano, o evitamento das experiências internas exacerba os sintomas da depressão

A tristeza é parte da condição humana, tal qual outras emoções básicas, e muito bem tolerada, fluindo de forma natural, manifestando-se e desaparecendo na nossa consciência ao longo do dia. Saiba mais lendo o artigo: Tristeza, qual o seu propósito?

Existem muitas coisas na vida que fazem disparar a tristeza, tais como ser mal-tratado injustamente pelo patrão, ou receber uma noticia de um acidente de um ente querido. Mas, quando você está deprimido, a tristeza, irritabilidade e o choro parecem surgir do nada. Esses sentimentos parecem estar desligados da vida real e na grande maioria das vezes não são os sentimentos que você esperava ter em resposta à situação. Desta forma, estes acontecimentos de livre-fluxo emocional  são a consequência de evitar experienciar as suas emoções de uma forma direta.

A depressão é muito mais o resultado emocional originado pela recusa de experienciar directamente os sentimentos, pensamentos, imagens e memórias não desejadas do que propriamente com a experiência emocional de um qualquer evento doloroso.

MITO 4: A DEPRESSÃO É UMA DOENÇA BIOLÓGICA

Considerarmos a depressão como uma doença meramente biológica é talvez o maior equivoco acerca da depressão, que tem sido espalhado e difundido pela industria farmacêutica e  modelo biomédico. Cada um destes grupos têm algo a ganhar com a promoção da noção de que a depressão é uma doença. Tal como expliquei no artigo: Será a depressão uma doença? talvez não, saiba porquê! A depressão é uma síndrome biopsicossocial que exige muito mais do que a intervenção farmacológica.

Para a industria farmacêutica, esta ideia de que a depressão é uma doença e que as suas causas estão num desequilibro bioquímico no cérebro, converte-se em biliões de dólares em venda de medicação. Para os profissionais médicos, esta ideia simplifica a abordagem ao tratamento da depressão, permitindo-lhes a prescrição de medicamentos e evitando toda a complexidade envolta na necessidade de ensinar às pessoas mudanças comportamentais e reestruturação cognitiva.

Posso afirmar com toda a confiança que as evidências cientificas não suportam a ideia de que a depressão é uma doença com causas meramente biológicas. Esta é uma das razões pela qual a Organização Mundial de Saúde, responsável por definir e descrever os estados de doença, na atualidade não reconhece a depressão como uma doença. Claro, que em última instância todo o comportamento humano tem uma base biológica, mas não está provado que alterações químicas no cérebro sejam a causa da depressão, nem está clarificado que essas supostas alterações produzam problemas no humor, pensamentos e comportamentos associados à depressão.

Então qual é a melhor forma para pensar acerca da condição da depressão? Existe um suporte empírico baseado em estudos clínicos em que concorda-se com o facto de que a depressão envolve uma interação de pensamentos, sentimentos e comportamentos que afetam ou que são afetados por processos biológicos básicos. Esta perspetiva é na grande maioria das vezes referida como um modelo biopsicossocial da depressão (Schotte et al. 2006).

Nesta abordagem, a biologia é apenas um dos fatores a considerar. E igualmente importantes são os impactos stressantes da vida, estilos de lidar com as situações, aprendizagens prévias, estilo de pensamento, comportamento e os fatores sociais e culturais. Por outras palavras, a depressão é muito mais complexa na forma como se desenvolve e como se resolve do que somos levados a acreditar.

MITO 5: A MEDICAÇÃO É O MELHOR TRATAMENTO PARA A DEPRESSÃO

Pelo menos desde à duas décadas, que existem evidências conclusivas que a Terapia Cognitivo-Comportamental é tão efetiva como a medicação no tratamento da depressão. Interessantemente, muitos estudos sugerem que a Terapia Cognitivo-Comportamental é atualmente mais efetiva em termos de prevenção de futuros episódios depressivos (Paykel 2006). Este é um fator de grande importância porque a depressão  tende a ser um problema recorrente. Muitas das pessoas que sofrem de depressão têm um padrão cíclico de recuperação e de recaída. Muitas vezes, este padrão ocorre continuamente ao longo da vida da pessoa.

Para refletir: Uma abordagem que reduz as hipóteses de recaída da depressão vale a pena ser explorada.

Apesar da clara evidência das vantagens a longo prazo da aprendizagem de estratégias para superar a depressão e evitar a recorrência, os órgãos de comunicação social continuam a bombardear-nos com mensagens (ilusórias) sugerindo que a chave para tratar a depressão é a toma de medicamentos.

Para aprofundar este assunto, pondere ler os artigos:

As industrias farmacêuticas têm sido profícuas na transmissão da ideia (ilusória): “Basta tomar a medicação, tal como prescrita e a droga fará o resto por si”. Estas atividades de marketing têm tido um profundo impacto no diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais um pouco por todo o mundo. Mais pessoas que nunca estão sendo diagnosticadas com depressão, e mais pessoas que nunca estão a ser alvo de prescrição de medicamentos para a depressão. Poucas pessoas estão recebendo terapia porque as drogas antidepressivas são prontamente disponibilizadas. Acresce o facto de a terapia psicológica não ser uma opção de tratamento no Sistema Nacional de Saúde (isto em Portugal).

MITO 6: A DEPRESSÃO É ALGO QUE VOCÊ “APANHA”

É tentador falar da depressão como algo que você “apanha”, tal como se tratasse de uma constipação. Dizer que você tem uma constipação, sugere que a constipação lhe infligiu uns quantos sintomas sem que necessariamente fosse culpa sua. Na verdade é quase impossível proteger-nos totalmente de apanhar uma constipação, devido às inúmeras possibilidade de sermos expostos aos organismos infecciosos. Muitas são as vezes que algumas pessoas falam acerca da depressão de uma forma muito similar, como se fosse algo que se apanha de forma misteriosa, como se algo vindo do céu descesse na pessoa e  a afectasse.  Isto implicava que não existisse qualquer relação entre a situação de vida da pessoa, as suas estratégias de resposta  (lidar com as situações), e o desenvolvimento da depressão.

Se isto fosse verdadeiro, a pessoa deprimida nunca teria qualquer responsabilidade sobre o seu estado, adotaria uma posição passiva e de vítima, tal como uma pessoa que apanha uma constipação na grande maioria das vezes não é responsável. Esta é uma forte razão para que a explicação biológica e genética da depressão seja tão popular. Foi criada a ideia que você é vítima da depressão e consequentemente não é da sua responsabilidade, sendo que à luz desta concepção a única possibilidade de tratamento é através da medicação.  Mais uma vez puro engano.

Na grande maioria das vezes em reação a uma determinada situação de vida, a pessoa começa a alterar alguns dos seus comportamentos do dia-a-dia, e sem tomar plena consciência começa pouco a pouco a manifestar alguns dos sintomas da depressão. Pode ser difícil para a pessoa perceber o efeito a longo prazo desta sua mudança comportamental, pois a atitude adotada parece-lhe ser a melhor.

Por isso, não é uma escolha consciente que as pessoas fazem, elas não sabem que estão a comportar-se de uma forma que pode contribuir para o desenvolvimento da depressão. No desenrolar da vida diária, estas escolhas simplesmente acontecem, elas parecem ser inocentes e bem intencionadas para o momento que a pessoa está a viver.

No entanto, o que importa perceber, é que, quer seja de forma consciente ou menos consciente, o aparecimento dos sintomas da depressão estabelecem sempre uma relação com as coisas que a pessoa passou a fazer ou deixou de fazer.

Uma forma mais clara de explicar o desenvolvimento da depressão é que tem a ver com dois tipos de evitamento:

  • Evitam-se sentimentos potencialmente desagradáveis
  • Evita-se a situação que faz disparar esses sentimentos desagradáveis

Quando estes dois tipos de evitamento acontecem a maior parte dos dias, na maior parte das vezes durante a maior parte do tempo, você fica com depressão.

depressão

ESCLARECIMENTO

A ideia que gira em torno de que os comportamentos que temos podem produzir a depressão, é uma ideia nova para a grande maioria das pessoas, mas existe uma profunda razão para que eu queira transmitir-lhe esta informação. Eu quero encorajá-lo a olhar esta ideia por aquilo que ela é: Uma tentativa de transmitir-lhe uma nova forma de olhar a depressão como ela é. Não pretendo passar-lhe a ideia de culpa-se a si mesmo por ter depressão. Quero sim, passar-lhe a informação e a esperança de que existe uma forma eficaz de superar a depressão, e que essa forma de superar a depressão está ao seu alcance e depende de si, está sobre o seu controlo.

Assim que você perceba a depressão por aquilo que ela é, sem equívocos, ao invés de uma forma deturpada e manipulada por uma máquina colossal que tem por objetivo gerar fortunas, você ficará numa posição mais capacitada para começar a fazer alguma coisa para ultrapassa-la. Aquilo que a depressão parece ser é um conjunto de sintomas físicos, emocionais e mentais  que podem ser esmagadores se não forem levados em consideração como um todo.

Na verdade, a depressão tem a ver com um conjunto de experiências que o informam que algo está fora de equilíbrio relativamente à forma como você se relaciona com a sua vida. A depressão não pode considerar-se um acidente da natureza, foi “desenhada” ao longo da evolução da humanidade para dizer-nos algo importante acerca de como a nossa vida se desenrola.

Ao invés de olhar para a sua depressão como uma assombração, você pode aprender a aceitar o seu momento de vida e perceber a depressão como uma consequência natural da sua situação de vida, dos momentos difíceis que atravessa e da forma como lhes está a responder.

Neste preciso momento, aqui mesmo, você pode deixar de massacrar-se por estar deprimido e olhar para si com compaixão. Direccione a energia que ainda lhe resta para resolver o dilema que o mantém agarrado e preso à desmobilização de vida.

Você pode fazer algo por si, você tem a possibilidade de superar a depressão olhando para ela como ela realmente é: Uma forma de você relacionar-se consigo, com os outros e com o mundo.

 Abraço,

Miguel Lucas

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