A felicidade é possível mas é opcional
Felicidade 22/09/2016

A felicidade é possível mas é opcional

Miguel Lucas Publicado por Miguel Lucas

Já alguma vez se perguntou, “Porque é que a vida parece ser tão difícil?” Eu penso nisso muitas vezes. Comparada com os vastos seis biliões de pessoas no planeta, provavelmente a minha vida até tem sido fácil. Bons pais, abrigo e boa comida, nenhuma doença problemática até à data, trabalho e realização pessoal, bons amigos. Ainda assim, quase todos os dias a minha mente gera alguns pensamentos subtis e outros não-tão-subtis de sofrimento emocional.

O sofrimento emocional expressa-se das mais variadas formas e feitios. Você pode preocupar-se com o futuro, ficar zangado ou triste, sentir-se culpado ou envergonhado, ficar chateado por estar com dores, ou simplesmente sentir-se aborrecido ou stressado. Por vezes este sofrimento é bastante subtil, “Não me sinto bem”, “Estou sem sorte.” Outras vezes somos apanhados nas malhas da ansiedade, depressão, vício, dor, sintomas relacionados com o stress, que é praticamente impossível funcionarmos e levarmos a nossa vida para a frente. A grande maioria do tempo, para alguns de nós, ser-se humano não é fácil.

Talvez o problema se prenda com o facto de não termos evoluído para sermos felizes. A selecção natural, o processo natural que conduz a evolução, favorece a adaptação que permite reproduzirmo-nos com sucesso. Isto significa sobreviver o tempo suficiente para encontrar parceiro e apoiar a sobrevivência dos nossos filhos.

O processo evolutivo não se “preocupa” particularmente com o facto de gostarmos ou não da nossa vida, a não ser que isso aumente as nossas hipóteses de sobrevivência ou “acasalamento”.  Também não se “preocupa” com aquilo que nos possa acontecer depois de terminado o nosso período fértil.

Hipersensibilidade às emoções negativas

Mas nós preocupamo-nos. Enquanto a maioria de nós pensa que a sobrevivência da humanidade é uma boa ideia, também gostamos de conseguir apreciar a vida enquanto estamos por cá. Não me parece ser, pedir muito. No entanto, nós debatemo-nos com isso. Como psicólogo, tenho a oportunidade de “aceder” à vida de muitas pessoas, e a quase totalidade delas acham que a vida é difícil. Claro que os meus clientes estão numa situação diferente da pessoa dita comum.

No fundo, não são apenas as pessoas com problemas que procuram um psicólogo? Ainda que exista uma dose de verdade nisso, eu suspeito que a maioria deles, não estão mais angustiados que os outros que não andam em terapia. Eles estão apenas mais motivados para fazerem alguma coisa para resolver o seu problema. Aquilo que quero transmitir é, que as pessoas que supostamente não têm nenhum problema que para eles justifique a ajuda de um psicólogo, também a sua vida provavelmente é emocionalmente angustiante.

O que é que se passa connosco? A vida em si parece ser tão extraordinária.  A vida natural, e a cultura humana é fascinantemente complexa e interessante, e de um ponto de vista histórico praticamente todas as pessoas nos países desenvolvidos vivem vidas privilegiadas de abundância e riqueza.

Afortunadamente, muitos de nós nunca vivemos nenhum acontecimento trágico, como vemos por vezes nas notícias, como ser atacado por um exército hostil, perder a família num desastre natural, ou ficar com incapacidades várias após um acidente.

Estas pessoas, evidentemente que têm toda a legitimidade para se sentirem mal, angustiadas, tristes, desesperadas e desesperançadas, ainda assim, muitas são as que conseguem retomar pouco a pouco a “normalidade das suas vidas”, outras existirão que lhes é muito difícil e necessitam de ajuda. Existem situações que nada pode reparar o “mal” que lhes sucedeu. Só a aceitação e o voltar a ver significado na vida lhes pode restituir a alegria de viver.

Para aprofundar este assunto, pondere ler: Combater a sensação de incapacidade e desesperança.

E a todos aqueles que nada disto lhes aconteceu? Acredito que a grande maioria de nós, ainda assim, vivemos um surpreendente mal-estar e quantidade enormes de stress e dor emocional. Teremos na atualidade atingindo uma data histórica na evolução humana para sermos infelizes?

Do meu ponto de vista , acho que temos vindo a ficar cada vez mais hipersensíveis às emoções negativas à medida que as condições de vida melhoram. Repugnamos os sentimentos negativos e fugimos deles como o diabo da cruz. Certamente não sonhamos, nem desejamos sentir pensamentos negativos, nem tão pouco projetamos isso como um objetivo. Ainda assim, esses sentimentos negativos pertencem-nos enquanto seres humanos, os quais, ao longo da nossa evolução têm-nos sido úteis e, acima de tudo necessitamos deles.

As emoções são fontes de informação

Enquanto seres humanos percebemos algumas das coisas da vida por contraste, por antípodas, por opostos, por exemplo não saberíamos o que é o frio se não soubéssemos o que é o calor. Precisamos de ter um termo de comparação que nos sirva de orientação.

Os sentimentos e as emoções têm exatamente essa função, servem-nos como uma orientação, transmitem-nos informação acerca daquilo que gostamos e daquilo que detestamos, daquilo que é bom para nós ou que não nos é útil. E sabemos isso porque sentimos diferentes emoções e sentimentos que conseguimos distinguir pelo grau de desconforto/insatisfação ou pelo grau de contentamento/satisfação que experienciamos.

Estaremos a evoluir para a infelicidade? De certa forma, sim. O que conta na selecção natural é a sobrevivência da espécie, tal como nos relata, Richard Dawkins no seu livro: O Gene Egoísta. Onde o autor tenta explicar o “problema profundo de nossa existência” e coloca-nos como sendo apenas máquinas de sobrevivência para os nossos genes.

Não querendo adoptar nenhuma perspectiva radical, não posso deixar de levar em consideração determinados instintos e habilidades intelectuais que ajudaram a nossa espécie a prosperar ao longo dos últimos milhares de anos, criando algumas consequências negativas, para nós enquanto indivíduos.

Cérebros maiores mais ideias para gerir

Vejamos um exemplo retratando o passando:

O António e a Maria eram dois Homo sapiens que viviam nas planícies de África à 40.000 anos. Eles evoluíram do seu ancestral Homo herectus, desenvolvendo um cérebro maior. O casal usava o seu cérebro aumentado para fazer todo o tipo de coisas maravilhosas que os ajudaram a sobreviver: Pensar de forma abstrata, fazer planos para o futuro, encontrar novas soluções para os problemas e fazer trocas com os seus vizinhos.

Eles eram ainda capazes de fazer pinturas nas suas cavernas e adornos, como colares e pulseiras de pequenas pedras. Mas, nem tudo corria bem na savana, os seus cérebros também lhes causaram problemas. Eles preocupavam-se com os rinocerontes e leões, tinham inveja das cavernas maiores dos seus vizinhos e argumentavam sobre quem iria procurar água nos dias de extremo calor. Quando estava frio e chovia, ambos ficavam irritados, relembrando-se o quão melhor era quando estava calor.

Eles repararam em algumas alterações ao seu redor, sentiram dificuldades quando não existiam frutos suficientes nas árvores, raízes para comer ou larvas de insectos (um petisco muito apreciado na época) para petiscar.

Quando os seus vizinhos ficavam doentes ou morriam eles ficavam angustiados, como medo que isso pudesse acontecer-lhe também. Por vezes a Maria ficava zangada quando o António olhava para outras mulheres. Depois ela não fazia sexo, o que aborrecia muito o António.

Mesmo quando algumas coisas iam bem, eles ficavam preocupados com algumas coisas do passado e sobre o que podia correr mal no futuro. A Maria e o António estavam a conseguir sobreviver e o seu filho tinha também boas hipóteses de o conseguir, ainda assim muita coisa continuava a passar-lhes na mente.

Nada mudou

Aparentemente, as coisas não mudaram nos últimos 40.000 anos. Os nossos cérebros, maravilhosos como são, continuam a dar-nos problemas. Afortunadamente, todavia, algumas das mesmas habilidades que ajudaram os nossos antepassados a sobreviver, permitiu-nos também desenvolver práticas eficazes para lidar com as problemáticas do nosso cérebro e aumentar as nossa chances para a felicidade. Felizmente estas técnicas percorreram um longo caminho desde os tempos da Maria e do António.

Mindfulness: Uma prática promotora de bem-estar

Mindfulness é uma dessas práticas. Foi-se desenvolvendo ao longo de milhares de anos de evolução cultural, efetivando-se como um antídoto para os hábitos naturais da nossa mente (preocupação excessiva), que faz com que a vida seja muito mais difícil do que precisa de ser.

Mindfulness (Atenção Plena), é uma atitude particular acerca da experiência, ou uma forma de nos relacionarmos com a vida, que comporta em si o compromisso de aliviar o nosso sofrimento e tornar as nossas vidas mais ricas e significativas. E faz isso sintonizando-nos com a nossa experiência do momento, permitindo-nos estar cientes da razão desnecessária pela qual a nossa mente nos causa sofrimento.

Quando a nossa mente caí no terrível hábito da preocupação exagerada sobre a possibilidade de não virmos a ser felizes, ou de não alcançarmos o que desejamos, ou sobre o que não realizámos no passado, a prática da mindfulness ajuda-nos a centrarmo-nos na segurança relativa do momento presente. Se pretender explorar um pouco mais o tema da preocupação, pondere ler o nosso artigo: Como quebrar o terrível hábito da preocupação.

Quando a nossa mente faz comparações de inveja ou comparações competitivas com os nossos vizinhos, parceiro, ou colegas de trabalho, a prática da mindfulness ajuda-nos a perceber que é o protesto actual, e não o possuir menos, ou ter menos dinheiro em si que causa o sofrimento.

Mesmo quando a doença ou a morte nos bate à porta ou das pessoas que mais gostamos, mindfulness ajuda-nos a perceber e aceitar esta ordem natural. Ajudando-nos a observar exatamente como é que criamos a nossa própria angustia e stress, a prática da mindfulness ensina-nos a desapegar-nos do hábito da dor emocional e substitui-la por hábitos mais adequados.

A prática da Atenção Plena pode ser assim resumida: sustentar a atenção, intencionalmente, no momento presente, sem julgar o que aparece na consciência.

A Atenção Plena envolve duas componentes. A primeira é adotar, na experiência, uma atitude particular de curiosidade, abertura e aceitação ao que surge na consciência. A segunda é a ‘Auto-Regulação da Atenção’, que tem como finalidade aumentar o reconhecimento dos eventos mentais daquele momento. Regula-se o foco da atenção para se observar as mudanças nos pensamentos, sentimentos e sensações, momento a momento. Isso conduz a uma sensação de estar presente e atento à experiência. Para se conseguir esse estado é necessário:

  • Sustentar a atenção por um período prolongado de tempo em algum foco, como a respiração.
  • Mudar o foco. Detectar e reconhecer os estímulos que surgem na consciência, como um pensamento, sentimento ou sensação física.
  • Retornar ao foco. Esse movimento de reconhecer o estímulo e retornar incessantemente ao foco é a essência da meditação.

O que é então esta prática preciosa?

Quando se usa o termo mindfulness ou atenção plena, referimo-nos à realidade do momento presente, uma consciência sem julgamento ou crítica. Este termo, deriva das tradições budistas, refere-se à capacidade de prestar atenção no momento presente para qualquer estímulo que nos chegue à consciência, internamente ou externamente, sem ficarmos emaranhados ou “presos” julgando ou criticando.

Quando se usa a mindfulness na psicoterapia, na maioria das vezes está-se particularmente focado na consciência plena dos sentimentos internos, sem estar apegado aos valores pessoais ou a tentar banir as dores emocionais.

Para mim, esta aplicação da mindfulness é terapêutica porque ajuda a promover a aceitação das experiências internas e diminui o evitamento. Ou seja, toda e qualquer experiência interna, como sensações corporais, emoções, sentimentos, pensamentos, independentemente de os consideramos positivos ou negativos, “bons” ou “maus”, são nossos. O ser humano está geneticamente preparado para sentir um espectro alargado de estímulos através dos seus sentidos, não devendo por isso ignorá-los.

O fato de em algumas alturas da nossa vida querermos evitar algumas experiências, ou evitar experiências internas como as já descritas, pode promover ou prepetuar uma variedade de problemas psicológicos. A aceitação através da prática da mindfulness pode servir para diminuir esses problemas. A aceitação, não se trata de ter de aceitar as coisas que lhe estão a acontecer na vida e resignar-se. Não é isso que se pretende, nem é essa forma de aceitação que me estou a referir.

Aceitação e compromisso uma via para a resistência emocional

O termo aceitação usa-se na prática da mindfulness, como a aceitação da realidade presente, daquilo que está a sentir, não tendo que ser necessariamente algo de mau (no caso de sentimentos, pensamentos ou sensações físicas desagradáveis). Aquilo que se sente, é informação que nos chega à consciência através de uma mecanismo de feedback do nosso organismo. Ao perceber isto, permite que você não faça uma fusão da sua experiência interna consigo mesmo.

Você não é aquilo que sente, tal como não é aquilo que come, você não é os seus pensamentos, tal como não é aquilo que ouve. Se percebermos esta independência relativamente às nossas experiências internas, ficamos com opção de escolha.

Podemos estar a sentir tristeza e não sermos tristes, podemos estar a ter pensamentos deprimidos e não sermos depressivos, podemos estar a sentir raiva e não sermos pessoas hostis, podemos estar insatisfeitos e não sermos infelizes. Sentimos, mas não somos o que sentimos, e isto é muito capacitador. Ficamos numa posição de conseguir olhar para o nosso problema ou para a nossa dor de uma forma desapegada.

Desapego é o oposto de fusão, se nos fundirmos com uma experiência interna considerada negativa ficamos num estado de incapacidade. Se nos desapegarmos da nossa experiência interna negativa, ficamos num estado de capacidade. Diminuímos desta forma a possibilidade de cairmos num situação mental angustiante, e aumentamos as possibilidades de arranjarmos recursos para o nosso equilíbrio emocional.

Na minha prática clínica, utilizo aquilo que se considera a terceira geração de terapias psicológicas que é a Terapia da Aceitação e Compromisso (ACT). Esta é uma abordagem, que explicitamente enfatiza a propensão que o cliente tem para evitar as experiências internas. O que se pretende é alterar a percepção de evitamento, e promover a aceitação daquilo que o cliente sente.

No que diz respeito ao compromisso, tem a ver com a construção de um conjunto de ações que o cliente promove no sentido de se orientar por aquilo que valoriza e quer para ele. Seguindo a sua vida sem entraves provocados pelo evitamento daquilo que tem medo ou que não quer sentir. Esta abordagem permite que a pessoa escolha o caminho que quer seguir, optando por trabalhar e comprometer-se com um conjunto de ações que o conduzam ao sentimento desejado, na maioria das vezes traduzido por: “Quero ser feliz“.

Ao incluir-se a aceitação da experiência interna na vida da pessoa, isto permite que a pessoa consiga trabalhar na sua musculatura emocional, permite que a pessoa consiga ser mais resistente às suas experiências internas de mal-estar, entendendo-as como manifestações da realidade, colocando-se assim numa situação mais capacitada para accionar os seus recursos, construindo uma solução para os seus problemas.

No fundo, a aceitação e o compromisso funcionam como um antídoto à hipersensibilidade emocional, à hipersensibilidade dos sentimentos negativos.

Você não é os seus sentimentos, não é a sua tristeza, não é o seu mal-estar. Se você perceber que não é aquilo que sente, que você é aquele que sente, se tiver esta consciência, fica numa posição vantajosa. Consegue por comparação, isto é, consegue diferenciar-se entre aquilo que sente e aquilo que é ou que pretende vir a sentir, e assim fazer coisas para alcançar o que deseja: Por exemplo, ser feliz.

Se nos tornarmos mais cientes de como funciona a nossa mente, e porque razão sentimos as coisas que sentimos, ficamos mais aptos a podermos fazer uma opção de escolha. Ficamos mais aptos para escolhermos a possibilidade de sermos felizes.

Abraço,

Miguel Lucas

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