Muitos de nós temos vindo a ficar hipersensíveis para as emoções negativas e incómodas. Quando nos começamos a sentir um pouco desconfortáveis ou estressados, tendemos a rapidamente sair desse estado. Até aqui tudo bem. Mas se associamos as nossas emoções negativas a algo de errado que se passa conosco, aí podemos cair em comportamentos pouco benéficos para nos livrarmos a qualquer custo daquilo que sentimos.
Então pegamos uma taça de vinho ou uma dose de uísque. Pegamos um saco de batatas fritas ou biscoitos. Fazemos compras online. Sentamo-nos na frente da TV por horas ou fazemos scroll no Facebook pelo mesmo período de tempo.
Você se vê fazendo isso regularmente? E vem fazendo isso há anos?
Sinta as suas emoções sem problematizar
Naturalmente, não nos queremos sentir desconfortáveis, porque sentir-se desconfortável é desagradável. Então, diminuímos o desconforto assim que ele aparece. Nós temos um impulso interior para descartamos isso. Nós negamos o incómodo emocional. Nós tentamos entorpecê-lo. Nós tentamos nos entorpecer. Porque, eventualmente na base desse desconforto está o medo: o medo do fracasso, da rejeição, da crítica, da imperfeição. O medo de que os nossos sentimentos sejam arrebatadores e nos empurrem para a infelicidade. O medo que nós não podemos lidar com eles. E isso é simplesmente doloroso demais para sentirmos.
Quando as emoções nos entorpecem, tendemos a afastar-se de nós mesmos. O ponto principal é que estamos nos afastando da nossa humanidade. Das expectativas que não podemos cumprir, das histórias que inventamos sobre como a vida deveria ser. Da velocidade em que achamos que devemos ser capazes de “lidar com isso” com a aprovação que, no fundo, procuramos de todos. Porque aceitar tudo isso, aceitar a nossa humanidade é desconfortável, incerto e assustador. Mas isso é tudo o que temos, e aprender a lidar assertivamente com todas as emoções turbulentas é a nossa solução.
Talvez você saiba disso. Talvez você saiba de tudo e queira lidar e suportar o desconforto sem dramatizar. Mas é difícil. E tudo bem. Porque com a prática, você pode começar a sentir o medo, raiva, decepção, tristeza e tudo o que surge, sem necessariamente fazer disso um problema.
Em seguida apresento oito passos para aprender a lidar com as suas emoções mais arrebatadoras, sem que seja dominado por elas:
1. Dê um nome ao sentimento e descreva-o
Muitas vezes você não sabe por onde começar. Tornou-se tão desconectado do seu corpo e de você mesmo que não sabe o que está sentindo. Comece por fazer um pausa, ficando quieto e sintonizando-se com os seus sentimentos. Escolha apenas uma palavra para descrever o que você está sentindo, como tristeza, ressentimento ou ansiedade.
Para ajudar neste processo faça um escaneamento do corpo e tente identificar as sensações físicas associadas ao sentimento. Vá da cabeça aos pés, verificando o que está acontecendo em cada parte do corpo, como: aperto no peito, tensão nos ombros, latejamento na cabeça. Em seguida diga algo do género: “sinto-me triste, tenho uma sensação de falta de energia e um aperto na garganta.”
O ato de nomear e descrever o sentimento, permite que você se desapegue temporariamente desse mesmo sentimento, e com isso aliviar o sofrimento emocional o tempo suficiente para poder pensar de forma mais funcional.
2. Arranje tempo para sentir
Reserve um tempo para se reconectar às suas emoções. Por exemplo, vá a um lugar em que se sinta seguro, coloque uma música que ajude a liberar as suas emoções, e sinta-as sem necessariamente se fundir e reduzir a elas. Deixe-se sentir o que quer que surja. Observe-as, perceba de onde surgem, o que as fez disparar, o que elas lhe querem transmitir. Chore se precisar. Grite se você precisar.
Perceba que você não é apenas o que sente, mas sim aquele que sente e observa o que sente. Este hábito de sentir as suas emoções irá certamente contribuir para o desenvolvimento da inteligência emocional.
3. Aceite que a experiência pode ser confusa
Você pode começar a ter sentimentos diferentes ao mesmo tempo. Um sentimento pode mudar para outro. Em outras palavras, esse não é um processo linear e pode ser muito confuso para você. Tente ficar bem com os sentimentos que não estão fazendo muito sentido. Deixe-os simplesmente fluir, sem que necessariamente associe algo de ruim ou de errado.
4. Reconheça que os seus sentimentos são dignos
Muitas vezes descartamos a nossa própria dor porque achamos que não é tão dolorosa quanto a de outra pessoa, pode significar que não deveremos sentir-nos assim. “Eu não deveria sentir-me assim, comparado com… (determinada pessoa, ou determinado acontecimento)”.
Relativizar o significado atribuído à magnitude do sentimento que experienciamos pode ser saudável. Mas é certamente prejudicial, julgarmos que não deveríamos estar a sentir-nos de uma determinada forma ou com uma determinada intensidade. Abafar ou julgar que não deveria sentir-se de uma determinada maneira, provoca angústia e autodepreciação.
Dica: Você pode sentir-se angustiado e não ser uma pessoa angustiada. Você pode sentir tristeza e não ser uma pessoa triste. Pode sentir fúria e não ser uma pessoa hostil.
5. Observe se você está assumindo os sentimentos de outras pessoas
Não permita que as ideias de outras pessoas sobre como você se deve sentir se tornem como você está se sentindo. Em outras palavras, aceite os seus próprios sentimentos, mesmo que sejam contrários ao que os outros dizem. Ao acreditarmos que não nos deveríamos sentir de uma determinada forma, estamos indiretamente a assumir que aquilo que sentimos é ruim, despropositado ou indigno, o que pode conduzir-nos a uma autoestima baixa, ou a autocríticas negativas e autodepreciativas.
É muito importante, não banir os nossos sentimentos como se eles fossem impróprios. Nós podemos sentir tudo, isso faz parte da nossa humanidade. Sentir não é igual a ser o que sentimos. Por essa razão importa processar o que sentimos, e entender as razões e crenças que nos levam a sentir-nos assim, e depois trabalhar nisso.
Para aprofundar o assunto, leia: O poder dos sentimentos negativos
6. Fique curioso sobre os seus sentimentos
Não se julgue por ter um certo sentimento. Em vez disso, pergunte a si mesmo: por quê? De onde vem esse sentimento? O que isso significa? O que me leva a sentir-me assim? Qual a importância do acontecimento associado a este sentimento.
7. Fale sobre os seus sentimentos
Converse com alguém em quem você confia sobre a sua dor, alguém que possa ter empatia e ouvi-lo com atenção e compaixão. Falar sobre o que sentimos ajuda-nos a colocar em palavras o que sentimos, ouvindo a nós mesmos. Este processo ajuda também a ventilar os sentimentos, ou seja, colocá-los em perspectiva.
8. Aprenda a aceitar os seus sentimentos
No começo você pode ficar inundado de sentimentos, porque você finalmente decidiu experienciá-los. Você finalmente está convidando os seus sentimentos a terem um lugar para se expressarem. Aceite os seus sentimentos, pois eles têm um fundamento para se fazerem sentir.
Por exemplo, em vez de dizer: “Estou bem, isto que sinto não importa.” E correr para o shopping, você pode descrever o seu sentimento: “Estou um pouco abatido e decepcionado, mas tem razão de ser, fiquei aquém do que esperava conseguir no teste, vou ter de preparar-me melhor na próxima oportunidade e tudo ficará bem.”
Você pode estar totalmente aterrorizado com os seus sentimentos. Isso é totalmente compreensível e nada de errado se passa com você. Comece devagar. Comece com uma palavra. Comece com 5, 10, 15 minutos sentindo a emoção. Dê a si mesmo a permissão e espaço para honrar os sentimentos que se expressam dentro de si.
Você é um ser humano complexo e requintadamente intrincado, e seus sentimentos também podem ser complicados. Honre isso.
Deixo algumas perguntas poderosas para a autorreflexão: Como você se entorpece? Por que você faz isso? E se nenhum dos nossos sentimentos fosse bom ou ruim? E se sentir os nossos sentimentos fosse apenas parte de ser humano? E se o maior problema for realmente pensar mal daquilo que se sente?
Em seguida apresento um poema da minha autoria para enriquecer o tema:
Dormência
A vida bate-me,
A vida arrasta-me, centrifuga-me, amassa-me, escama-me,
Sinto-me entorpecido, rígido, distante,
Olho para a beleza mas não a sinto,
Falam-me ao coração mas permaneço magoado,
Sensibilizam-me para a esperança, mas mantenho-me entrincheirado na decepção,
Que corpo é este que caminha anestesiado?
Que corpo é este que endureceu uma mente anteriormente ávida de vida, de emoção e paixão?
É um corpo humano,
Que se entristece, que se obscurece, se penaliza, se aprisiona,
É um corpo que se vai protegendo, que vai endurecendo, que vai querendo ficar imune à dor emocional,
Perde sensibilidade, perde humanidade,
Desliga-se dos seus sentidos, liga-se à dureza das suas experiências,
Experiências sofridas, injustas, traumáticas, punitivas,
Enrijecem o corpo, enrijecem-me,
Não sinto, as coisas passam-me ao lado, batem-me mas já não me magoam, ouço-as mas não me afligem a mente,
Deixei de ruminar nas perdas, deixei de reclamar no apontar do dedo, deixei de me importar,
Estou presente na vida, mas ausente de vida,
Que corpo é este?
Capaz de caminhar dormente, com a mente desvigorada, com o coração lascado,
É um corpo que segue as interpretações que faço, que julgo fazerem sentido,
É um corpo que se desconhece, que julga precisar de alienar-se para encaixar as agruras da vida,
É um corpo que desconhece e me leva a desconhecer as formas práticas e saudáveis de suportar a dor,
Quero conhecê-las, quero voltar a sentir, a sentir-me em pleno com a vida,
Voltar a mim,
Pouco a pouco quero recuperar a minha sensibilidade,
A sentir o calor do abraço, a dor da perda,
A dor de alguém que me foi querido e partiu,
Sinto a dor, suporto-a, ela é inversamente proporcional ao meu gostar, quanto mais sinto, mais gosto,
A dor da perda faz-me sentir o quanto eu gosto, gostei ou vou continuar a gostar,
Como é bom gostar de sentir, de ficar ligado com a vida,
Com as coisas boas, e as que provocam dor,
Voltei a sentir,
A sentir o pulsar da vida.
Abraço,
Miguel Lucas
Parabéns, Miguel!
Aprendo demais com você.
Vou colocar os ensinamento em prática.
Poema maravilhoso…que sensibilidade.
Olá Valquiria, fico esperançado que os meus ensinamentos possam ser-lhe úteis.
Obrigado pelas suas palavras.
Abraço,